Ir para o menu de navegação principal Ir para o conteúdo principal Ir para o rodapé

n. 25

Publicado em 29/07/2008

Revista Trabalhista Direito e Processo

Descrição da edição

A Consolidação Vacarrezza — ou Consolidação das Leis Materiais do Trabalho (CLMT) — caminha a passos largos rumo à aprovação no Congresso Nacional. Por que razões, não se sabe bem. Talvez pelo seu vezo ideológico, a flertar com a desregulamentação e a flexibilização, tão do agrado dos atuais profetas do fim do emprego; talvez apenas pela conveniência política, mercê da antevisão gloriosa do presidente-operário, sucessor de Vargas, a ditar a segunda grande consolidação social do país.

Do ponto de vista semântico, porém, o PL n. 1.987/2007 dá sinais de que virá natimorto. Porque, na perspectiva das garantias sociais e da principiologia inerente ao Direito do
Trabalho (inclusos, aí, os princípios da proteção e da proibição do retrocesso social), a carcaça desponta quase vazia. Em matéria de jornada, a garantia da instância coletiva —
acordo ou convenção coletiva de trabalho — para a instituição da compensação de jornada e dos famigerados «bancos de horas» (que já configuraram «a se» flexibilização da norma
do art. 7o, XIII, 1a parte, da CRFB) soçobrará, bastando, em todo caso, o mero «acordo individual escrito» (art. 59, § 2o, do projeto). No que diz com o trabalho do menor (arts. 411
a 414), mantém-se a vetusta redação que autorizava a prestação de horas extras, por motivo de força maior, até o máximo de doze horas diárias, mas com acréscimo de “pelo menos” vinte e cinco por cento sobre o valor da hora normal, em estridente colidência com a norma do art. 7o, XVI, da CRFB. Em matéria de meio ambiente do trabalho (insalubridade, periculosidade, penosidade), chega-se a dispor, no art. 183-B, que “em todos os locais de trabalho onde os trabalhadores estejam expostos ao asbesto/amianto da variedade crisotila ou das fibras naturais ou artificiais comprovadamente nocivas à saúde humana deverão ser observados os limites de tolerância fixados na legislação pertinente e, na sua ausência, serão fixados com base nos critérios de controle de exposição recomendados por organismos nacionais ou internacionais, reconhecidos cientificamente”. Ora, não há índices cientificamente seguros para a exposição humana ao amianto crisotila (branco), assim como não há para o cinza (ainda mais letal, proibido em todo o mundo); o que justifica, aliás, a proibição absoluta do seu uso industrial em quase cinqüenta países ao redor do mundo. Dados da FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ revelam que, de 1980 a 2003, catalogaram-se no Brasil 2.414 mortes por mesotelioma, câncer da pleura ligado ao amianto. Sob tais condições, como admitir que o PL n. 1.987/2007 repita o equívoco positivado no art. 2o da Lei n. 9.055/95, que viola flagrantemente o princípio da precaução (princípio n. 15 da Declaração do Rio) e é hoje objeto da ADI n. 4.066, em tramitação no Supremo Tribunal Federal?

Ademais disso, onde podia avançar — na esteira do recente Código do Trabalho português (arts. 15 a 32) —, o projeto silenciou eloqüentemente: nada se estatui para a salvaguarda dos direitos fundamentais do trabalhador (igualdade, com as garantias de não-discriminação; intimidade, com a proscrição dos exames médicos e genéticos pré-admissionais; segurança econômica, com a vedação de dispensas imotivadas), ou ainda para a extensão das garantias coletivas (convenções «guarda-chuva»), ou mesmo para a formulação de um processo laboral mais garantista.

Argumenta-se que a finalidade da iniciativa, ligada às atividades do GTCOL (Grupo de Trabalho de Consolidação das Leis), é apenas compendiar e «reconsolidar» as leis trabalhistas brasileiras. Daí, a dificuldade de se inovar. Mas não é esse o quadro que se vê: a leitura atenta do projeto tem revelado passagens de inegável retrocesso social, que instituições como a ANAMATRA, a OAB e a ABRAT têm denunciado nos últimos meses.

Por esses e outros motivos, a ANAMATRA tem acompanhado, com preocupação, os trâmites do PL n. 1.987/2007. De nada adianta «reconsolidar», a pretexto de «sistematizar» e/ou «renovar», se não há avanços substanciais, mas inquietante retrocesso. A ser assim, mandam os bons princípios que se preserve o sistema juslaboral em vigor, ao menos na dimensão individual: no fim, uma «retroconsolidação» travestida de «reconsolidação» não servirá nem à justiça social, nem à pacificação dos conflitos, e tanto menos às finanças das corporações. Servirá unicamente como marco histórico de um açodamento estatal descomprometido com o valor social do trabalho. Contra todos e por ninguém; para o mal… e para o mal.

Comissão Editorial

Edição completa