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n. 35

Publicado em 18/11/2010

Revista Trabalhista Direito e Processo N. 35

Descrição da edição

Por motivos alheios à vontade do Conselho Editorial, este número da Revista circula com algum atraso. Mas o acaso, por vezes, sabe ser conveniente. Providencial atraso.

Porque este atraso, se bem que brevemente, permitir-nos-á refletir, em um mesmo editorial, sobre dois pontos de inflexão que se avizinham e prenunciam (ou não) novos e alvissareiros tempos. Novos tempos para a história política do Brasil. Novos tempos para a história institucional da Justiça do Trabalho (e de sua principal ferramenta de ação, consubstanciada no binômio processo/procedimento). Vejamos.

1. Da história política, cabe falar do que a população brasileira — e, naquilo que aqui nos interessa mais de perto, as massas trabalhadoras e o empresariado — poderá esperar do governo de Dilma Vana Roussef. Dir-se-ia que, dos três principais nomes que se viabilizaram para o pleito nacional, a população teria escolhido a candidatura ideologicamente mais à esquerda. Nos últimos anos, porém, “esquerda” e “direita” tornaram-se expressões equívocas, senão, semanticamente vazias. De concreto, o que se pode antecipar?

Durante as campanhas, muito pouco ou quase nada se disse a respeito (talvez preordenadamente, diga-se). Mas já há sinais dispersos pela mídia. Recentemente, no jornal Folha de S. Paulo, o ex-ministro Roberto Mangabeira Unger — que integrará a equipe de transição e está muito próximo ao PMDB — externou o entendimento de que, nas relações entre capital e trabalho, o  ordenamento brasileiro “demanda mudanças nas leis para resgatar da informalidade cerca de 40% da população economicamente ativa e para proteger a parte crescente de assalariados na economia formal em situação de trabalho precarizado: temporários, terceirizados ou autônomos”. A adotar essas premissas — reconhecendo, p. ex., que a terceirização desenfreada (a despeito da legitimidade que recolhe, com maior ou menor amplitude, na jurisprudência das próprias cortes trabalhistas) é, também, uma forma oblíqua de se precarizar o trabalho humano —, caminhará bem o novo governo. Nesse universo, incluem-se os temporários, pela via formal (Lei n. 6.019/74), e também os “autônomos”, pela via informal (ao mais das vezes, fraudulenta: cooperativados sob estrita subordinação e pessoalidade, “pejotização”, falsos representantes comerciais, etc.). Na mesma linha, pode-se ler, entre os treze pontos do programa de governo da então candidata,
o propósito de dedicar “especial atenção aos trabalhadores e aos desprotegidos da sociedade”, como ação específica do propósito maior de “fortalecer a democracia política, econômica
e social”. Ademais, lê-se na resolução sobre as diretrizes de programa 2011-2014 apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral:

• “intensificação dos esforços para ampliar a inclusão previdenciária e o fortalecimento do trabalho formal, dando prosseguimento à desburocratização, à melhoria do atendimento aos aposentados e pensionistas, e ao reforço da previdência pública” (item n. 19, j);
• “compromisso com a defesa da jornada de trabalho de 40 horas semanais, sem redução de salários” (item n. 19, p).

Consumada a escolha popular, resta, agora, esperar a estrita fidelidade da nova Presidente da República ao quanto anunciado nos meses que antecederam o sufrágio. Avançar nas conquistas sociais. Fazer valer, no plano legislativo, o princípio da proibição do retrocesso social (que, lamentavelmente, não tem sido, por estas plagas, mais que um conceito doutrinário e um mote para o debate acadêmico). E, decerto, resistir aos sopros neoliberais que ainda tem curso por Brasília e, inclusive, por setores próximos à coalisão vencedora.

2. Sobre a história institucional, vale lembrar que tramita pelo Senado Federal o PLS n. 166/2010 (Sen. José Sarney), para instituir o novo Código de Processo Civil brasileiro. Uma vez promulgado, evidentemente, serão de grande monta os reflexos no âmbito da Justiça do Trabalho, em face do que dispõe o art. 769 da CLT e da inexplicável inércia legislativa que, há muito, detém o progresso do processo laboral brasileiro. O projeto tem mérito e deméritos, é verdade. Mas os primeiros não podem ser olvidados a reboque desses últimos.

Recentemente, o XXXIII Colégio de Presidentes de Subseções da Ordem dos Advogados do Brasil (São Paulo) levou a público um “Manifesto pela Mobilização de Resistência contra a Aprovação do PLS n. 166/2010”, antecipando a suposta criação de um “novo processo civil autoritário”, pelas seguintes razões (entre outras):

“1. A possibilidade de o juiz ‘adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito’ (art. 107, V). ‘Quando o procedimento ou os atos, a serem realizados se revelarem
inadequados às peculiaridades da causa, deverá o Juiz, ouvidas as partes e observado o contraditório e a ampla defesa, promover o necessário ajuste’ (art. 151, § 2o).

(...)

3. A possibilidade de concessão de liminares, em geral, sem a demonstração de periculum in mora, sob a forma de ‘tutela de evidência’ ou ‘tutela de urgência’ (art. 285, III),
significando, mais uma vez, poderes desmedidos aos órgãos jurisdicionais monocráticos.

4. Previsão de que os juízes, ao aplicarem a lei, observem ‘... sempre os princípios da
dignidade da pessoa humana, da razoabilidade ...’ (art. 6o), o que representa ampliação perigosa do poder jurisdicional mediante a possibilidade de descumprimento da
lei a pretexto de realização de princípios constitucionais de caráter abstratíssimo.

(...)

‘10. A possibilidade de concessão de medidas cautelares de ofício’.”

Ora, seriam precisamente essas, dentre as várias inovações que o projeto encaminha, aquelas que mais seguramente permitiriam ao Poder Judiciário prover jurisdição de melhor qualidade, i. e., mais célere, efetiva e adequada ao caso concreto. Não é o que esperam os advogados?

Convém não confundir instrumentalidade com instrumentalização. Nada há de “autoritário” ou “corporativista” em uma reforma que pretenda construir uma Magistratura proativa e pós-positivista, mais afinada com as necessidades do caso e dotada de mecanismos que lhe permitam adequar o instrumento à tarefa. Cabe pensar na atividade jurisdicional já não como mera “atuação da vontade concreta da lei” (Giuseppe Chiovenda), mas, sobretudo, como função de tutela efetiva dos direitos materiais (em especial, aqueles dotados de jusfundamentalidade, como é a regra no processo do trabalho). Nesse particular, o PLS n. 166/2010 parece acompanhar a doutrina mais vanguardista, no Brasil (Ovídio Baptista, Guilherme Marinoni) e fora dele (Proto Pisani, Wolfgang Grunsky — e o “Modelo de Stuttgart”, que desenvolvera a doutrina dos “poderes assistenciais” do juiz —, o próprio art. 265-A do Código de Processo Civil português, etc.).

É do poeta romântico Lord Byron (1788-1824) a afirmação de que as melhores predições estão na leitura do passado (“the best of prophets of the future is the past”). Se o passado do
processo civil nos diz algo sobre o nosso futuro, é que o formalismo autosuficiente, a polemização interna e a burocratização excessiva do procedimento impedem a duração razoável do processo e distanciam a realização dos direitos do cidadão. Acorreremos novamente a esse modelo?

Saibamos, afinal, ler a lição dos tempos.

Comissão Editorial

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