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n. 43

Publicado em 15/05/2013

Descrição da edição

No ano em que a CLT se torna septuagenária, os magistrados do trabalho brasileiros euniram-se em Washington, Estados Unidos, para participar de mais uma versão do Congresso Internacional da Anamatra. Um ato de ousadia, diriam alguns, dadas as enormes diferenças existentes entre o nosso sistema, associado ao modelo germano-românico, e o norte-americano, fundado na common law. De exotismo, diriam outros, pautados na certeza da quase inutilidade do colhimento de saberes alheios à realidade jurisdicional brasileira. Todavia, felizmente, prevaleceu o outro lado dessa moeda. O Congresso foi um sucesso. A começar pela abertura dos congressistas à nova realidade a que estavam sendo introduzidos. O interesse demonstrado nos debates e indagações formuladas foi um termômetro apto a aferir o envolvimento de todos.

De concreto, se pode sintetizar a experiência com a constatação de que o sistema americano de proteção ao trabalho está pautado na negociação coletiva, onde os sindicatos tiveram — sim, o verbo ter é usado no passado porque, a partir de 1947, com a mudança da legislação, esse quadro passou a se alterar profundamente — um protagonismo no estabelecimento de condições de trabalho que, por um lado, impactavam positivamente os salários e, por outro lado, propunham-se a estabelecer certa correlação entre a democracia no trabalho e a política, entendendo-se que o fortalecimento da primeira teria reflexos inevitáveis sobre a segunda. Assim, a condição de ator social por excelência, emprestada ao sindicato, foi, ao mesmo tempo, pragmática e estratégica ao modelo de desenvolvimento americano. Porém, ao longo do tempo, o número de sindicalizados sofreu considerável redução e, com ele, o espectro de proteção aos trabalhadores, o que não significa, contudo, que o quadro atual permita concluir pela inexistência de normas que assegurem direitos à massa trabalhadora. Prova disso está na judicialização dos conflitos oriundos das relações de trabalho.

Com efeito, o sistema norte-americano revela várias fórmulas para a solução desses conflitos, materializadas tanto no campo administrativo, quanto no judicial. Na órbita administrativa,
muitos são os organismos de mediação e solução das demandas de trabalhadores, ou mesmo dos entes sindicais. No âmbito estritamente judicial, chama a atenção o fato de que tanto a Justiça Estadual quanto a Justiça Federal podem julgar questões trabalhistas, diferenciando-se a competência afeta a cada qual, fundamentalmente, segundo o tipo de norma que enlaça a lide, se estadual ou federal. A coletivização das ações revela um grande espectro de possibilidades para que a ação judicial seja mais efetiva, rica em signifi cado e, por que não dizer, democrática, instigando maior refl exão, entre nós, acerca de possibilidades que usualmente não vêm sendo exploradas no Brasil.

Outro aspecto revelador de particular importância: a pessoa do magistrado. Mostraram-se inevitáveis as comparações. A começar pela principal atribuição do juiz estadunidense, consistente na gestão processual, que pouco tem a ver com o sentido emprestado ao papel de gestor entre nós, porquanto limitada à relação processual em sentido estrito. Isso ocorre em virtude de grande parte dos julgamentos fi car a cargo do júri popular. A gestão, pois, dirige-se à colheita de provas e à formatação jurídica dos atos atinentes ao processo, com o correspondente oferecimento ao júri. Assim, o ato gerencial do juiz não se orienta à solução de questões estruturais afetas à administração dos serviços judiciais, o que propicia maior dedicação do seu tempo ao julgamento em si mesmo.

Outra nota a despertar interesse é a vinculação política dos magistrados de lá. Como o processo de ingresso na carreira não obedece à lógica concursal, esse acesso se dá pela chancela dos pretendentes por intermédio de um partido político, não fi cando muito clara a possibilidade de independência efetiva dos julgadores, diante desse enlace. Aliás, a fórmula de inserção acaba por fechar as portas da carreira aos mais jovens, notabilizando-se a magistratura norte-americana pela elevada faixa etária de seus componentes. Não foi possível concluir, porém, sobre o impacto desse perfi l de magistratura sobre o conteúdo das decisões proferidas. De todo modo, os estudiosos do Direito dizem que, nos dias de hoje, não há sistema exclusivamente consuetudinário ou positivista. Prova disso se revelaria no crescente protagonismo em sistemas como o do Brasil, do chamado jurisprudencialismo.

Ainda que a aproximação entre as duas vertentes se verifi que, o 7o Congresso revelou como são distintas as realidades da prática jurídica entre nossos países. Ensinou, também, a importância que o Direito e o Judiciário têm para a formação de um país. Sobre isso, disse o Presidente da International Judicial Academy, Dr. James Apple, que, em toda cidade americana,
haverá, na praça central, um órgão do Poder Judiciário, característica que remonta a tempos de há muito idos, em que se criou o hábito de frequência popular aos julgamentos. Isso o fez
concluir que “os tribunais e o direito representam papel de fundamental importância para o desenvolvimento dos Estados Unidos e da sociedade americana”.

Entre nós, não foi diferente, apesar de ter sido. É verdade que no Brasil não foi criado o hábito popular de assistir a julgamentos e sessões judiciais. Contudo, temos um Direito do Trabalho construído pela atuação fi rme de uma magistratura comprometida com a redução de desigualdades, ciente do papel primordial das decisões que profere no âmbito da sociedade
em que está inserida. Não por acaso, quando são celebrados os 70 anos da CLT, o que se está a comemorar é a existência de trabalho com direitos. Parece pouco — mas não é — termos
um sistema de tutela do trabalho humano, dotado de uma doutrina de ótima qualidade, além de um ramo do Poder Judiciário vocacionado a dar vida e concretude a essa complexidade. Os ataques à CLT, paradoxalmente mais intensos durante os festejos de seu aniversário, constituem, na essência, agressão ao sistema de proteção que ela acaba por encarnar.

Não por acaso, a refl exão que o 7o Congresso Internacional da Anamatra convida a fazer é, essencialmente, a importância que o Direito e o Poder Judiciário têm para uma sociedade que se pretende verdadeiramente democrática. Não temos uma vara ou um juízo em cada praça de cidade. Mas, sim, temos um Direito do Trabalho que deve estar em todas elas e em toda parte desse imenso Brasil.

Maio de 2013.

A Comissão Editorial

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