
Logo após ser reeleita Presidente da República com uma pequena margem relativa de votos, sob o discurso de que não resvalaria nos direitos dos trabalhadores “nem que a vaca tussa”,
Dilma V. Rousseff editou duas medidas provisórias destinadas precisamente a cortar, reduzir ou redimensionar direitos sociais de ancoragem constitucional, como o seguro-desemprego,
o auxílio-doença e a pensão por morte. A MP n. 664/2014 “altera as Leis n. 8.213, de 24 de julho de 1991, n. 10.876, de 2 junho de 2004, n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e a Lei n.
10.666, de 8 de maio de 2003”, todas relativas à seguridade social. Já a MP n. 665/2014 “altera a Lei n. 7.998, de 11 de janeiro de 1990, que regula o Programa do Seguro-Desemprego, o
Abono Salarial e institui o Fundo de Amparo ao Trabalhador — FAT, altera a Lei n. 10.779, de 25 de novembro de 2003, que dispõe sobre o seguro-desemprego para o pescador artesanal, e dá
outras providências”. Dispõe, p. ex., que o trabalhador brasileiro somente poderá requerer as parcelas do seguro-desemprego, pela primeira vez, após mínimos dezoito meses de vínculo
empregatício, contra os seis meses atuais.
As mudanças imprimem um contingente razoável de restrição a direitos sociais fundamentais, comprometendo garantias que aproveitam, sobretudo à população mais pobre (assim, e.g., quanto ao seguro-desemprego, alcançando justamente os que amargam os maiores níveis de rotatividade no emprego, como os trabalhadores da construção civil), à falta de qualquer contrapartida evidente (que não o discurso previsível do “déficit previdenciário” e dos desvios de verba — que existem, mas devem ser combatidos com fiscalização adequada, não com o ancilosamento dos próprios direitos sociais, que é algo como fragilizar o doente para enfraquecer a doença). Em visão minimamente progressista, bem se poderá reconhecer ter havido, neste ensejo legislativo, violação oblíqua à chamada proibição de retrocesso social, que repousa no Pacto de San José da Costa Rica, de que o Brasil é signatário, e ao qual o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido força de supralegalidade. Aliás, o próprio STF já reconheceu, em diversos julgados, o caráter constitucional implícito da proibição do retrocesso social.
Com efeito, há diversos estudos dando conta de que a previdência social é, a rigor, superavitária; os défices que experimenta, experimenta sobretudo porque o sistema é universal (seguridade)
e nem todo ele é contraprestativo. O mesmo se diga, ademais, da previdência dos servidores públicos, igualmente superavitária, não fosse pelo défice específico no microssistema previdenciário dos militares e dos servidores distritais.
Os direitos sociais admitem arranjos, dimensionamentos e contrações, não há dúvidas; é a chamada “reserva do possível”. Mas não podem ser simplesmente aniquilados, sem contrapartidas e/ou temporalidades. Que o diga, entre tantos, J. J. Gomes Canotilho, ao menos em seus primeiros escritos. E o que dirá o Excelso Pretório?
De tudo, uma única certeza. Ao que parece, a vaca tossiu.
Brasília/DF, janeiro de 2015.
A Comissão Editorial