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n. 33

Publicado em 27/04/2010

Revista Trabalhista Direito e Processo N. 33

Descrição da edição

A Magistratura do Trabalho vê-se hoje às voltas com a nefasta expectativa de perder, numa
única penada, a competência para processar, conciliar e julgar quaisquer litígios entre trabalhadores
e os órgãos da Administração Pública direta ou indireta, ainda que a relação esteja materialmente
regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, desde que se trate de uma contratação “temporária”,
sob a égide do art. 37, IX, da CRFB. Há mesmo o candente risco de que o Supremo Tribunal Federal
venha a editar súmula vinculante nesse sentido, consagrando jurisprudência hoje capitaneada
pela Ministra Cármen Lúcia Antunes da Rocha (v., por todos, a Rcl. n. 6.667-RO, reconhecendo
afronta concreta ao quanto decidido na célebre ADI n. 3.395 MC/DF, rel. Min. Nelson Jobim,
que afastou da Justiça do Trabalho todo e qualquer litígio laboral de natureza estatutária).
À margem desse debate, o Senado Federal aprovou, no último dia 7 de abril, o Decreto
Legislativo n. 206/2010, pelo qual aprova, com reservas, os textos da Convenção n. 151 e da
Recomendação n. 159, ambas da Organização Internacional de Trabalho (1978), que disciplinam
garantias coletivas mínimas no âmbito das relações de trabalho com a Administração Pública. A
ratificação da Convenção n. 151 havia sido aprovada pela Câmara dos Deputados em 1o de
outubro de 2009, seguindo-se a aprovação no Senado Federal, no último dia 30 de março, após
quase catorze meses (o Governo Federal enviou-a ao Congresso Nacional em fevereiro de 2008).
Está claro que, para a doutrina majoritária, seus efeitos só poderão ser sentidos, no plano
interno, após a promulgação por meio de decreto presidencial publicado no Diário Oficial da
União, dando plena publicidade à data em que terá início, no território nacional, a sua vigência.
Aqui, porém, não se esperam maiores dificuldades, haja vista que o próprio Poder Executivo
houvera tomado a iniciativa da ratificação.
Uma vez em vigor, a Convenção n. 151 carreará, para o patrimônio jurídico dos trabalhadores
em órgãos da Administração Pública direta e indireta, uma série de direitos e garantias que hoje
não estão positivados, com especificidade para o setor público, no panorama legislativo brasileiro.
Assim, p. ex., (a) a proteção contra atos de discriminação que acarretem violação de liberdade
sindical; (b) a independência das organizações de trabalhadores em relação às autoridades públicas;
(c) a proteção contra atos de ingerência das autoridades públicas na formação, no funcionamento
e na administração das organizações de trabalhadores em função pública; (d) a liberação dos
representantes das organizações de trabalhadores em função pública para o cumprimento de seus
misteres sindicais, no trabalho ou fora dele; (e) a garantia de direitos civis e políticos essenciais
ao exercício regular das liberdades sindicais; e (f) o direito à instauração de procedimentos
tendentes à negociação das condições de trabalho entre as autoridades públicas interessadas e as
organizações de trabalhadores em função pública.
De se ver que o art. 7o, XXVI, da CRFB não foi originalmente estendido aos servidores públicos
(art. 39, § 3o). Entretanto, uma vez em vigor a Convenção n. 151, e à vista do princípio da norma
mais favorável (a tornar dinâmica a hierarquia de normas no Direito do Trabalho), inarredável será a admissibilidade técnica de acordos e convenções coletivas de trabalho para os trabalhadores
da função pública.
Mercê desse novo quadro, e da natureza dos direitos que dele dimanarão — que se comunicará,
por extensão, aos respectivos litígios —, a pergunta a se fazer é: que Justiça haverá de fazê-los
valer? As justiças comuns (federal e estaduais)? Considerando-se a afinidade «ex ratione materiae»
que os corpos de Magistratura da Justiça do Trabalho e da própria advocacia laboral guardam
com os grandes temas da Organização Internacional do Trabalho — a ponto de ter abrigado, em
seu quadro de peritos, não poucos juízes do Trabalho (como, hoje, o Ministro Lélio Bentes
Corrêa) e advogados trabalhistas —, será razoável e eficiente (inclusive para os fins do art. 37,
caput, in fine, da CRFB) que outra classe de juízes se debruce sobre os litígios envolvendo as
garantias sindicais, os movimentos de autotutela laboral e os procedimentos de negociação
coletiva dos servidores públicos? Que fazer, aliás, mercê da “ratio decidendi” da Reclamação n. 6.667-RO,
quando determinada organização sindical da função pública abranger tanto empregados públicos
efetivos quanto empregados públicos “temporários”? A quem incumbirá decidir sobre as garantias
sindicais de seus representantes? Acaso dependerá da natureza de sua contratação, se efetivo ou
“temporário”?
Essa impressão de equívoco, na perspectiva de uma ética de responsabilidades, mais se reforça
quando constatamos que, nos termos do art. 2o do Decreto Legislativo n. 206/2010, “a expressão
«pessoas empregadas pelas autoridades públicas», constante do item 1 do art. 1 da Convenção n. 151, de
1978, abrange tanto os empregados públicos, ingressos na Administração Pública, mediante concurso
público, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-lei n. 5.452, de 1o
de maio de 1943, quanto os servidores públicos, no plano federal, regidos pela Lei n. 8.112, de 11 de
dezembro de 1990, e os servidores públicos, nos âmbitos estadual e municipal, regidos pela legislação
específica de cada um desses entes federativos”. O Senado Federal não distinguiu, no marco da
tutela convencional, entre servidores celetistas e estatutários. Nessa alheta, permitir que dois
ramos distintos do Poder Judiciário procedam à aplicação de um mesmo cabedal normativo,
cada qual a seu modo, a depender da natureza do vínculo laboral (celetista ou estatutário), ferirá
de morte o ideal da unidade de convicção, tantas vezes evocado pelo Excelso Pretório (tanto mais
porque, introduzida em nível de lei ordinária federal, a palavra final sobre a Convenção n. 151
caberá, aqui, ao Tribunal Superior do Trabalho; ali, ao Superior Tribunal de Justiça).
Ademais, os dimensionamentos encetados pelo Senado Federal para a aplicação da Convenção
n. 151 no plano do direito interno desafiam duas inapeláveis críticas. Em primeiro lugar, não se
entende a adstrição da locução «pessoas empregadas pelas autoridades públicas» a estatutários e
celetistas contratados mediante concurso público. Estarão os empregados públicos “temporários”, contratados
na forma do art. 37, IX, da CRFB (e a experiência demonstra que algumas dessas contratações
vazam os anos), fora da tutela especial engendrada pela convenção? Sob qual fundamento?
Macula-se, a uma, o princípio constitucional da isonomia (art. 5o, caput, da CRFB); e, a duas, o
próprio espírito universalista da Convenção n. 151. Em segundo lugar, lamenta-se que o art. 2o, II,
do Decreto-lei n. 206/2010 consume nova restrição hermenêutica, ao dispor que “consideram-se
organizações de trabalhadores abrangidas pela Convenção apenas as organizações constituídas nos
termos do art. 8o da Constituição Federal”. Com isso, expulsa-se do âmbito de proteção convencional
um sem-número de associações de classe que legitimamente representam os interesses socioeconômicos de seus associados, embora não se revistam de natureza sindical. Até mesmo — malsã ironia — as associações de juízes.

Comissão Editorial

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